Odeio odiar meu emprego…

   Quem já é leitor do blog à algum tempo com certeza notou como guardo um enorme desgosto pelo meu trabalho, apesar de sentir orgulho doque que conquistei até hoje profissionalmente, eu simplesmente ODEIO meu emprego. Porém ultimamente ando sendo tomado por um sentimento de que “odeio odiar meu emprego”, não sei se já está batendo um saudosismo antecipado ou simplesmente estou sentindo um alívio por saber que o sofrimento está chegando ao fim. De um jeito ou de outro me bate uma certa raiva quando penso que largarei tudo, foram tantos anos de esforço, sacrifícios, dinheiro investido e infinitos ”sapos engolidos” para agora jugar tudo no lixo? E pior, desistir de tudo justo agora que atingi uma posição profissional que em um passado não muito distante eu nem sonharia em conquistar.






   Digo tudo isso porque na época da Varig ou mesmo nos dias atuais da TAM um comandante de jato intercontinental normalmente só chegava à essa posição quando já se encontrava muito próximo da aposentadoria, atingir esse patamar era a coroação de uma carreira bem sucedida e como recompensa passava-se a desfrutar de uma qualidade de vida muito superior por conta dos poucos voos no mês que um piloto normalmente realiza nesse tipo de operação. É verdade que essa realidade já foi muito melhor na época de ouro da aviação brasileira quando ainda tínhamos Varig, VASP e Transbrasil, naquela época a maioria dos voos intercontinentais não eram diários e não raramente a tripulação passava 3 a 4 dias em destinos glamurosos como Paris, Frankfurt ou Los Angeles antes de operarem o voo da volta. Retornando ao Brasil ainda podiam contar com dias de descanso generosos para se recuperarem do trabalho “árduo”, tudo isso sem terem que abrir mão do gordo salário que um comandante de voos internacionais recebia, dava para comprar um carro popular por mês!


   Infelizmente o mundo mudou e arrastou a profissão de piloto para o lixo, hoje a maioria das empresas opera voos diários para praticamente todos os destinos e por conta disso ninguém mais fica “moscando” em hotel, as empresas tentando sobreviver ao mercado competitivo extraem o máximo de eficiência tanto das aeronaves como dos cada vez mais escassos tripulantes. Quem ainda não leu meu post sobre como é a minha rotina de piloto pode ler AQUI, lá é possível ver como nem de longe minha profissão lembra os tempos de ouro que descrevi acima.


   Eu acredito que é daí que vem tanta raiva por eu odiar meu trabalho, sinto que as empresas em busca da máxima eficiência dizimaram minha profissão, a cada ano que passa a falta de profissionais qualificados juntamente com a guerra que as empresas travam para manter-se vivas em um mercado competitivo só fazem a qualidade de vida do profissional piorar. Quem leu o relato do piloto que atingiu FIRE e deixou de voar (você pode ler AQUI) viu como a profissão consegue facilmente levar pilotos ainda jovens atingirem seus limites físicos e mentais, assim como ele também já atingi meu limite e me vejo forçado a largar a profissão para cuidar da saúde, confesso que nunca me senti tão doente, fora de forma e psicologicamente “quebrado” como nos dias atuais. Confesso que se não tivesse avistando uma luz no fim do túnel não sei como faria…


   Porém ultimamente tenho “odiado odiar meu emprego”, sinto que estou sendo forçado a deixar uma profissão que não queria deixar, praticante obrigado a abrir mão de um sonho! Cheguei em uma posição inimaginável na minha carreira, um salário que me permitiria curtir o presente ao máximo e ainda me aposentar de forma absurdamente confortável, mas tudo que consigo pensar é no dia que pedirei demissão (chegando ao ponto de até mesmo sonhar em nunca mais colocar os pés em um avião nem como passageiro!rs). Hoje tenho a oportunidade de ser pago para viajar o mundo e ficar em hotéis que dificilmente eu escolheria para me hospedar por serem muito caros… e mesmo assim me quero ver longe desse cotidiano. Será que sou louco?!?!? À primeira vista parece que sim, porém essa falta de moderação das empresas para explorar seus pilotos torna nossa atividade insana e levam os pilotos a testarem todos os limites da paixão pela profissão.


   Não existe a menor possibilidade de eu desistir dos planos de FIRE, porém levarei comigo um gosto amargo de que poderia sim ainda trabalhar feliz na profissão que escolhi por mais algumas décadas caso as condições oferecidas fossem razoáveis, algo que não drenasse minha saúde e vida pessoal, nem que para isso tivesse que abrir mão de uma grande parte do meu salário. Porém infelizmente quando procuro outro emprego tudo que vejo são empresas desesperadas por mais pilotos e oferecendo montanhas de dinheiro para tentar atrair profissionais dispostos a venderem seu precioso tempo de vida que possuem sobre a terra. Pra mim chega, é hora de recomprar minha liberdade e voltar a viver!




Sr.IF365